segunda-feira, 3 de abril de 2023

Poeira Flutuante

“... há uma sugestão que funciona como um grão de poeira que, suspenso no ar, irá convocar uma gota de chuva. Antes da obra, o que existe não é senão um nevoeiro. É crucial que não seja possível ver o caminho. É preciso, sim, adivinhar o destino...” (COUTO, p.3).

Essa é sem dúvida uma das melhores expressões para se descrever como se inicia meu processo de criação; seria uma comichão, a inquietação, a provocação há algo incerto, sem forma ou sem manual para. Nas poucas vezes que sou compelida por essa poeira, que por um bom tempo vaga flutuante por minha mente, sua própria observação é lenta, sendo pouco a pouco reforçada. Nesse espaço, outras coisas vão acontecendo, vou me dedicando a outras coisas, tidas por obrigações, e algumas ações vão reforçando a forca daquela poeirinha flutuante ali perdida.

            “A incerteza é tida como uma falha no conhecimento. É uma carência geradora de medo.” (COUTO, p. 5).

E assim poeiras vem e vão, algumas persistem outras se dissipam e são esquecidas em desejo e memória. Me falta talvez a ignorância sugerida por Mia Couto para ser preenchida pelo anseio, pela imprevisibilidade, pela desordem. Minhas falhas e impotências estão aí, em não permitir ou deixar fluir alguns dos meus caminhos para a criatividade e produção. E não considero isso um bloqueio criativo, pois não é por falta de provocações ou ideias é falta de atuação.

Estou passando por algumas mudanças de compreensão e olhar para minha criação, hoje enxergo possibilidades antes nunca observadas. Mas meu caminho para criar algo se dava pela influência de alguma referência, seja algo que me instigou e produziu uma ideia (a poeira) ou a vontade o desejo por aquela produção especifica.  Apesar da variação para a criação, o caminho era o mesmo. Não sabia o como fazer ou o que usar (o nevoeiro), eu só visualizava a ideia projetada; todo o resto é descoberta. No desenrolar das ações o caminho vai se mostrando e revelando o que deve ser feito após.

E nesse caminho sou tomada pelas surpresas que a curiosidade me concedeu, assim como a gratificação do realizável. Todo o processo são afirmações inconscientes do prazer e satisfação em estar ali, fazendo, participando, criando, transformando, tornando real e visível.

“Esse tempo primordial de indefinição, essa travessia pelo desconhecido é um dos mais saborosos momentos do labor... Esse é o momento divino em que tudo pode ainda ser.” (COUTO, p.3).   

Tudo pode ainda ser ... até o eu artista.

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